segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Transcon traz ruína a Salvador

Diante de tantas distorções na Prefeitura de João Gedel Henrique, tomamos conhecimento agora do perigo que a ingerência e/ou negligência do recurso TRANSCON pode gerar.

Segundo o site da Prefeitura o Transcon é uma ferramenta com a finalidade de “transferência do direito de construir” (originalmente foi implementada com o objetivo de compensar o empresariado imobiliário em regiões de desapropriação). Mas hoje a coisa é ainda pior, temos conhecimento que pelo menos desde janeiro de 2009 os Transcons aprovados não são publicados em Diário Oficial. Em uma época onde a especulação imobiliária, tem ampliado as diferenças dentro de no$$a cidade a capacidade de controle e uso do solo é entregue ao segmento que mais agride a cidade, sociedade e comunidades.

A lição da Conferência de Salvador




Para quem ainda tinha alguma dúvida o descaso e a falta de compromisso da Prefeitura de Salvador com a pauta da Reforma Urbana ficaram mais que evidentes na etapa municipal da 4ª Conferência das Cidades, ocorrida nos dias 1º e 2 desse mês de Dezembro.

Se a não implantação do Conselho Municipal de Salvador, previsto no malfadado PDDU 2007 (Art. 292, inciso II da Lei No 7.400/2008), mesmo com seus conselheiros tendo sido eleitos na 3ª Conferência das Cidades (2007), já havia deixado patente, desde então, a falta de compromisso do Poder Público Municipal em promover uma participação efetiva nas Políticas Urbanas, o episódio recente, ocorrido na 4ª Conferência Municipal de Salvador, de retirada pelo Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, do parágrafo do Regimento que estabelecia um prazo de 15 (quinze) dias para instauração do referido Conselho pelo Prefeito da Cidade, reiterou a violação sistemática da atual gestão municipal da diretriz estabelecida pelo Estatuto da Cidade de gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento dos planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, tanto como da instituição de órgãos colegiados, previstos na mesma lei (Art. 2º, inciso II e Art. 43, inciso I da Lei Federal No 10.257/2001). Diante disso, a Conferência Municipal de Salvador acabou por constituir-se muito mais num rito pró-forme de cumprimento da agenda institucional proposta pelo Ministério das Cidades, em consonância com os princípios da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), mesmo que se pondere o trabalho indubitavelmente dedicado e comprometido da Comissão Preparatória dessa Conferência, formada majoritariamente por organizações da sociedade civil com atuação em Salvador, por um processo efetivo de participação.

Esta situação nos remete aos desafios colocados para a constituição de um caráter diferenciado do planejamento urbano, traduzido em cidades de fato mais justas, pois se não há objeções quanto ao entendimento da existência de possibilidades de constituição de apropriações espaciais equitativas, a partir da vigência do Estatuto da Cidade, por outro lado não pode-se negligenciar o fato de que na maior parte dos novos planos diretores aprovados sob a égide dessa lei, tem-se a contradição central, nas leis que instituíram esses planos, de haver princípios e diretrizes de afirmação do direito à cidade e do cumprimento da função social da propriedade, porém ao mesmo tempo os instrumentos de democratização do acesso à terra urbanizada não estão regulamentados (ZEIS, regularização fundiária, IPTU progressivo etc). Nestes planos a auto-aplicabilidade de suas definições restringe-se aos parâmetros urbanísticos intensificadores da formação de renda da terra, ao sabor dos interesses privados do mercado imobiliário, vide caso de Salvador onde o PDDU 2007 aumentou os limites dos coeficientes de aproveitamento e dos gabaritos nas edificações da orla marítima de Salvador, resultando na disparada dos preços de imóveis nas localidades da Paralela, Imbuí, Iguatemi, Caminho das Árvores, Pituba, Av. Anita Garibaldi, Via Portuária, Patamares, Pituaçu, Costa Azul, Jaguaribe, Rio Vermelho e Comércio, viabilizando uma produção de espaço construído que só pode ser acessada pelas classes médias e abastadas, em detrimento do benefício da maior parcela da população da cidade, com nenhuma ou baixa renda, que continua alijada do direito à cidade.

Considerando as questões acima, a entusiasta comemoração dos principais movimentos de luta pela moradia e pela reforma urbana, que atuam em Salvador, em relação a Política Municipal de Habitação de Interesse Social, previsto no Plano Diretor referido (ver Título VI Da Habitação), nos pareceu demasiada, já que apesar de tal política incorporar os preceitos do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), encontra-se completamente esvaziada, dada a não regulamentação, como já comentado, dos instrumentos de popularização do acesso à terra urbanizada. Da mesma forma a decisão coletiva das entidades da sociedade civil e organizações do movimento popular em legitimar a 4ª etapa municipal da Conferência das Cidades de Salvador, ao invés de buscar impugná-la, com base no sistemático desrespeito da Prefeitura na sua posição de não implantar o Conselho Municipal de Salvador, configurou um recuo programático da agenda do FNRU. Parece-nos que o caminho da impugnação dessa Conferência e sua realização em outras bases, protagonizada pela sociedade civil, delinearia um caminho mais contundente enquanto forma de resistência e contestação e com vistas a pressionar o Poder Público Municipal para avanços reais da agenda da Reforma Urbana. A postura tímida adotada colabora para que a produção pública concreta de habitação de interesse social e de usos institucionais complementares, que poderia especificar a função social da propriedade, continue apenas no plano das intenções e não se constituindo como tendência mais geral.

Este cenário põe a nu os limites de uma estratégia legalista pelo FNRU (a esse respeito ver “Nunca fomos tão participativos” de Erminia Maricato, 2007), exigindo a atualização da agenda desse fórum estratégico frente às especificidades dos atuais processos de urbanização brasileira (a esse respeito ver “Políticas públicas, arenas e atores sociais: o Fórum Nacional de Reforma Urbana e a agenda pelo direito à cidade” de Orlando Alves Junior, 2009) na perspectiva propiciar a emergência de atores emancipatórios pela disputa dos sentidos dos atuais processos de urbanização, de modo a constituir desdobramentos territoriais instituídos pela emergência de “contra-racionalidades”, capazes de engendrar apropriações equitativas do espaço, marcadas pela solidariedade e por usos coletivos (pra essa perspectiva ver “A Natureza do Espaço” de Milton Santos, 2008). A superação destes limites faz-se crucial para que em Salvador possamos especificar a promoção do direito à cidade, pelo estabelecimento de necessárias e diferenciadas referências políticas e sociais que consigam ir do discurso para a ação, pelo reconhecimento dos diferentes grupos vulneráveis existentes na cidade e pelo atendimento de suas demandas com políticas públicas de promoção dos direitos sociais, oportunizadas pelos vultosos investimentos disponíveis na área do desenvolvimento urbano (PAC, FNHIS, Programa Minha Casa, Minha Vida etc), que instituam uma inserção territorial qualificada e bem localizada dos mesmos.

Por Glória Cecília Figueiredo. Urbanista graduada na UNEB e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.


Nos veículos de comunicação da Prefeitura de João está tudo lindo, a sujeira não aparece. Por quê será? http://www.sedham.salvador.ba.gov.br/4conferencia/

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Salvador, PDDU 2008: Agonia do Espaço Público


Ana Fernandes

Salvador inaugura 2008 com um tom de pessimismo para os amantes dessa bela cidade. Em 20 de fevereiro último, o Prefeito João Henrique sancionou, sem vetos substantivos, o atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Numa cerimônia na Associação Comercial da Bahia, marcada pelo apoio unilateral do empresariado da promoção imobiliária, da construção civil e do turismo, o PDDU efetivou-se pleno de equívocos e de ameaças ao presente e ao futuro de Salvador.

Salvador conseguiu uma excepcionalidade no cenário nacional: ter dois planos diretores aprovados - ambos sob contestação de legalidade - em apenas 04 anos! Dois pontos parecem fundamentais de serem discutidos no encaminhamento da revisão do plano: um relativo ao processo, outro relativo ao produto.

João Henrique (então PDT, hoje PMDB) assumiu a prefeitura em janeiro de 2005, com o compromisso de rever, de forma democrática e participativa, o recém-aprovado PDDU 2004. Este, desenvolvido na gestão de Antonio Imbassahy (então PFL, hoje PSDB), passou a ser aplicado dentro de um contexto bastante tumultuado do ponto de vista legal, onde o Ministério Público Estadual agia como principal protagonista, argüindo a sua legalidade. Além de vários elementos técnicos, sobressaía, particularmente, a não observação das exigências de participação social no processo de elaboração e aprovação do Plano, contidas no Estatuto da Cidade.

Imbuída desse princípio, a Secretaria de Planejamento Urbano, Urbanismo e Meio Ambiente iniciou, ainda em 2005, um processo de revisão do plano, defendendo a democratização da gestão urbana e a função social da propriedade como guias da reelaboração de perspectivas para a cidade. Várias discussões foram promovidas nas administrações regionais, seguidas pelas audiências públicas, previstas como instâncias fundamentais de avaliação e proposição do plano. Mas, ao longo desse processo, algumas questões se tornaram evidentes. Dentre as muitas que poderiam ser aqui arroladas, destacamos três, que nos parecem fundamentais.

A primeira delas diz respeito a uma mudança significativa de conjuntura: a política de queda nas taxas de juros aliada a uma política efetiva de liberação de recursos para a construção civil, particularmente de uso habitacional, trouxe para as cidades uma veloz ativação dos circuitos de promoção imobiliária, criando uma conjuntura de ativa demanda por terras ou mesmo por espaços já ocupados, a serem produzidos sob novas formas e novas lógicas. Nesse sentido, a disputa por estabelecer as regras da regulação urbana tornou-se bem mais acirrada, tensionada pela ânsia de aproveitamento da conjuntura e pela avidez especulativa característica, no país e na cidade, do setor de produção imobiliária e, mais recentemente, do chamado trade turístico.

O rito formal da democracia participativa pode ser apontado como segunda questão relevante. Embora várias tenham sido as oportunidades de discussão instituídas, as audiências eram marcadas por longuíssimas exposições por parte da própria administração municipal e as discussões caracterizavam-se pelo encaminhamento de reivindicações por parte da sociedade civil, organizada ou não, às quais invariavelmente se respondia que seriam devidamente analisadas. Além disso, a falta de instrumentos de tradução da complexidade do PDDU - a (pretensa) cartilha produzida para vulgarização do plano é incapaz de avançar qualquer reflexão mais específica a respeito - dificultava bastante a compreensão do que estava em jogo no momento da discussão.

A terceira questão é propriamente política e eleitoral. A mudança das alianças, a dança dos partidos, as substituições de secretariado, a pequena adesão da Câmara de Vereadores ao tema, a perspectiva meramente eleitoreira da maioria dos representantes do executivo e do legislativo e a apatia enviesada do judiciário - que sistematicamente indeferiu, até o momento, todas as ações relativas à argüição de legalidade do Plano - inviabilizaram a construção de um projeto consistente de desenvolvimento para a cidade, pensado no médio prazo. Por outro lado, a defesa incondicional, por parte da Prefeitura de Salvador, da necessidade de crescimento econômico e de atração de investimentos a qualquer preço, fez com que a negociação do PDDU acontecesse de forma descompromissada de um interesse público mais largo, assumindo o poder público o papel de refém dos investimentos e, portanto, a seu serviço.

As sessões de apreciação do projeto de lei do PDDU na Câmara dos Vereadores, em dezembro de 2007, na semana entre o Natal e o Ano Novo, acredito serem objeto de arrepios por parte dos mais conservadores defensores dos trâmites legais da democracia constituída, por terem atravessado regimentos, normativas e regulamentos. Assim, por exemplo, o executivo não cumpriu as normas de tramitação previstas para o encaminhamento do plano à Câmara pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano da Cidade (CONDURB). E, conforme depoimentos de vários dos parlamentares presentes, emendas ao texto da lei foram propostos e votados sem que se pudesse ter acesso ao seu conteúdo ou mesmo que se conseguisse ouvir o teor das emendas, tamanho o tumulto do processo. E, na seqüência lógica de todo esse processo, a aprovação do plano, em regime de urgência, em sessão do dia 28 de dezembro, deu-se com a oposição dos partidos inicialmente aliados do mandato (PT, PC do B, PSB, PV e PSDB) e com o apoio do ex-PFL, hoje DEM.

O produto derivado desse processo, ou a regulação das perspectivas delineadas para a cidade, está prenhe de problemas, se considerado do ponto de vista do interesse público e das perspectivas estabelecidas para a cidade.

Assim, não existe correlação entre infra-estrutura existente e projetada - redes de água, esgotos, drenagem, equipamentos públicos de saúde e educação, sistema de transportes públicos e sistema viário de suporte - para as áreas onde se propõe adensamento agudo da ocupação, a exemplo das já congestionadas áreas do Iguatemi, Paralela e mesmo do Retiro ou Orla Marítima. Da mesma maneira, para áreas designadas pelo próprio plano como ambientalmente sensíveis e, portanto, passíveis de uma ocupação com maior restrição, são propostos índices máximos de ocupação e de densificação. Podem-se pressupor, portanto, maiores graus de congestionamento de tráfego, de exaustão de infra-estrutura e de dilapidação do patrimônio natural nessas áreas.

Em termos de paisagem, a ocupação continua a independer da topografia, gerando surtos de verticalização adensada em topos de morros - recuo significativo em relação à legislação vigente até os anos 90 - além da forte diminuição dos recuos laterais para edificações na área da orla marítima. Menção especial deve ser feita à ameaça de perda da leitura da tradicional divisão da cidade em alta e baixa, pelo aumento do gabarito na região do comércio em cerca de 10 metros, aproximadamente 3 andares.

O financiamento público dos investimentos em serviços e equipamentos urbanos, através da utilização dos instrumentos previstos pelo Estatuto da Cidade, está também bastante comprometido, uma vez que os valores atribuídos como contrapartida ao processo de verticalização são ínfimos se comparados aos valores que o próprio mercado pratica na áreas em questão.

Por fim e mais uma vez, de maneira completamente descomprometida com a cidade, o novo plano, contrariamente ao anterior, isenta os empreendimentos residenciais privados que ocupem até 5 hectares (50.000 m²) da doação de áreas para o município - para utilização em equipamentos, praças e jardins - numa conjuntura de carência cada vez maior de espaços públicos na cidade.

Cada um desses fatores e ainda outros poderiam ser tratados em maior profundidade, o que não cabe no escopo do presente texto. Importa, em termos de visão geral sobre o PDDU 2008, apontar a sua adesão quase completa - exceção feita à política de habitação de interesse social, mas que se constitui propriamente em exceção, em termos de processo e de relação com o restante do plano - a uma visão de cidade privatista, segmentada e de curto prazo, que compromete seriamente as possibilidades de constituição de um espaço urbano generoso e inclusivo. Persiste, portanto, o nosso grande desafio: o de superar esse modelo e ensejar a constituição e construção de uma outra cidade, concebida a partir do interesse público e do espaço público, entendidos enquanto esfera do direito, da política, da democracia e da criação.

Ana Fernandes é professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) e pesquisadora CNPq.

Texto retirado na íntegra do Terra Magazine.